1868
Sesquicentenário 2018
A gênese Os milagres e as predições segundo o espiritismo
Marta Antunes Moura
martaantunes@febnet.org.br
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Os espíritas comemoramos
este ano o sesquicentenário
de A gênese,
os milagres e as predições segundo
o Espiritismo, a última
obra do pentateuco espírita que
fecha com chave de ouro o conhecimento
básico transmitido
pelos Espíritos da falange do
Espírito de Verdade.
Publicada por Allan Kardec
a 6 de janeiro de 1868, em
Paris, a obra se revela, de certa
forma, diferente das demais.
Primeiro porque o livro trata
de três assuntos aparentemente
antagônicos (gênese, milagres
e predições); segundo,
porque o Codificador consegue,
com maestria e lucidez
intelectual, definir como interpretar
as ideias espíritas
por meio de uma unidade
metodológica, analisadas sob
a óptica da fé raciocinada. Valendo-se
do aspecto científico
da Doutrina Espírita, Kardec
ensina como entender e aplicar
as práticas do Espiritismo,
as suas orientações filosóficas
e as suas consequências morais.
Não é pouco!
Outra não há de ter sido
a razão que conduziu Kardec
a inserir na Folha de rosto da
obra a seguinte sentença:
A Doutrina Espírita é o resultado
do ensino coletivo
e concorde dos Espíritos. A
Ciência é convidada a constituir
a Gênese segundo as Leis
da Natureza. Deus prova a
sua grandeza e seu poder pela
imutabilidade das suas leis,
e não pela derrogação delas.
Para Deus, o passado e o futuro
são o presente.¹
Allan Kardec registra relevantes
ponderações na Introdução
de A gênese, os milagres e as
predições segundo o espiritismo
que merecem ser lembradas.
Destacamos as que se seguem:
Essa obra é um passo a mais
no terreno das consequências e
das aplicações do Espiritismo.
Conforme indica o seu título,
ela tem como objetivo o estudo
dos três pontos até agora
diversamente interpretados e
comentados: A gênese, os milagres
e as predições, em suas
relações com as novas leis que
decorrem da observação dos
fenômenos espíritas.
Dois elementos, ou, se quiserem,
duas forças regem o Universo:
o elemento espiritual e
o elemento material. Da ação
simultânea desses dois princípios resultam fenômenos especiais
que se tornam naturalmente
inexplicáveis, desde que
se abstraia de um deles [...].
Ao demonstrar a existência do
Mundo Espiritual e suas relações
com o mundo material,
o Espiritismo fornece a explicação
de uma imensidade de
fenômenos incompreendidos
e, por isso mesmo, considerados
inadmissíveis por parte
de certa classe de pensadores
[trabalhadores]. Embora as
Escrituras estejam repletas de
tais fatos, seus comentadores
não conseguiram chegar
a uma solução racional, visto
desconhecerem a lei que os
rege. [...].
[...]
Essa solução se encontra na
ação recíproca do espírito e da
matéria [...].²
Um ponto relevante, enfatizado
na Introdução do livro
e explicitamente analisado no
capítulo primeiro da obra, diz
respeito ao Caráter da revelação
espírita.³ O espírita esclarecido,
atento à necessidade de melhor
conhecer a Doutrina Espírita,
deve aprender como desenvolver
o adequado discernimento
doutrinário. Neste sentido, é de
suma importância saber distinguir
o falso e o verdadeiro que
podem aparecer nas manifestações
dos Espíritos, ou tudo o
que pode gerar conflitos com os
postulados espíritas. As ideias
e práticas equivocadas que assaltam
o Movimento Espírita
têm como origem o despreparo
doutrinário do espírita, tanto
por parte do encarnado quanto
do desencarnado.
Eis o que Kardec tem a dizer
sobre o assunto na Introdução
da obra:
Antes de entrarmos na matéria,
pareceu-nos necessário definir
claramente os papeis respectivos
dos Espíritos e dos homens
[encarnados] na elaboração da
nova doutrina. Essas considerações
preliminares, que dela
afastam toda ideia de misticismo,
fazem o objeto do primeiro
capítulo, intitulado Caráter
da revelação espírita. Pedimos
séria atenção para este ponto,
porque, de certo
modo, aí está
o nó da questão.4
O conhecimento do caráter
da revelação espírita nos fornece
subsídios para compreender
o verdadeiro significado de revelação;
o duplo caráter da revelação
espírita que “[...] participa
ao mesmo tempo da revelação
divina e da revelação científica
[...]”;5 e, principalmente, esclarece
a respeito da universalidade
e da unidade dos ensinos
espíritas que, focados à luz das
consequências morais referenciadas
pelo Cristo em seu Evangelho,
transforma o ser humano
para melhor.
Muitos desentendimentos
seriam evitados se buscássemos
a segurança de aplicar os critérios do caráter da revelação espírita
nas ideias, interpretações
e mensagens que abundantemente
surgem no meio espírita,
geradoras de desconfortos
e perturbações variadas. Aliás,
nestes tempos da transição planetária,
as desarmonias manifestadas
– sejam de natureza
mediúnica ou anímica – representam
uma estratégia habilmente
utilizada pelos Espíritos
perturbados e perturbadores,
encarnados ou desencarnados,
que agem com a finalidade de
desestabilizar o trabalho espírita
e do Bem na face do planeta.
E não nos iludamos, pois tais
Espíritos assim procedem porque
encontram ressonância de
suas ideias e atitudes comportamentais
no trabalhador espírita que, a despeito do amor à Causa,
desconhece ou pouco conhece
a Doutrina que professa.
Em mensagem datada de
dezembro de 1867, o Espírito
São Luís faz referência ao livro
A gênese, os milagres e as predições
segundo o espiritismo, então
prestes a ser publicado:
Esta obra vem a propósito, no
sentido de que a Doutrina está
hoje bem firmada do ponto de
vista moral e religioso. Seja
qual for a direção que tome
doravante, tem raízes muito
profundas no coração dos
adeptos, para que ninguém
possa temer se desvie ela de
sua rota. [...] O Espiritismo
atualmente entra numa nova
fase. Ao atributo de consolador
alia o de instrutor e diretor
do espírito, em ciência e em filosofia,
como em moralidade.
A caridade, sua base inabalável, dele fez o laço das almas
eternas; a Ciência, a solidariedade,
a progressão, o espírito
liberal dele farão o traço de
união das almas fortes. [...] por
esse livro, como vos disse, o Espiritismo
entra numa nova fase
e esta preparará as vias da fase
que se abrirá mais tarde. [...].6
Inserimos, a seguir, trechos
de duas mensagens transmitidas
por Espíritos que colaboraram
na elaboração desta última
obra da Codificação Espírita. A
primeira, recebida em Ségur, 9
de setembro de 1867, contém
esta informação:
Pessoalmente, estou satisfeito
com o trabalho [o de elaboração
do livro], mas a minha
opinião é de pouca valia, levando-se
em conta a satisfação
daqueles a quem ela transformará.
O que, sobretudo, me
alegra são as consequências que
produzirá sobre as massas, tanto
no Espaço quanto na Terra.7
A segunda mensagem,
transmitida em Paris, 4 de julho
de 1868, afirma:
[...] Está apenas no começo a
impulsão que A gênese produziu
e muitos elementos, abalados
por ela, se acomodarão,
dentro em pouco, sob a tua
bandeira. Outras obras sérias
também aparecerão para acabar
de esclarecer o juízo humano
sobre a nova doutrina.8
A gênese, os milagres e as predições
segundo o espiritismo é,
portanto, uma obra que define
o papel da Ciência e do Espiritismo
no concerto das Leis Divinas
que regem a vida: “Assim
como a Ciência propriamente
dita tem por objeto o estudo
das leis do princípio material,
o objeto especial do Espiritismo
é o conhecimento das leis
do princípio espiritual. [...]”.9
Por enquanto, Ciência e Doutrina
Espírita seguem caminhos
distintos, salvo algumas manifestações
de integração observadas
aqui e acolá. Mas como
em tudo há um propósito divino,
cedo ou tarde acontecerá a
aliança definitiva entre ambas.
[...] O Espiritismo e a Ciência
se completam reciprocamente;
a Ciência, sem o Espiritismo
se acha na impossibilidade de
explicar certos fenômenos só
pelas leis da matéria; ao Espiritismo,
sem a Ciência, faltariam
apoio e comprovação. O estudo
das leis da matéria tinha de
preceder o da espiritualidade,
porque a matéria é que primeiro
fere os sentidos. Se o Espiritismo
tivesse vindo antes das
descobertas científicas, teria
malogrado, como tudo quanto
surge antes do tempo.10
Formatação da obra
Os três primeiros capítulos
da obra intitulados: Caráter da
revelação espírita, Deus, e O
bem e o mal, são fundamentos
para o adequado entendimento
do livro, em particular e da
Doutrina Espírita, em geral.
Como foi dito anteriormente,
é imprescindível que o espírita
não se descure da importância
do Caráter da revelação espí-
rita (capítulo I), cujos ensinos
foram transmitidos por Espíritos
orientadores que agem sob a orientação do Cristo, Guia e
Modelo da humanidade terrestre.11 Deus, anunciado no capítulo
2, revela o pensamento
cristalino dos Espíritos Superiores
sobre Deus, a natureza
divina, a providência e a visão
espírita de Deus. Isto é, livre
dos equívocos que certas interpretações
religiosas e manifestações
teológicas imprimiram
na mentalidade humana, ao
longo dos tempos. O bem e o
mal, apresentado no capítulo
3, revela o traçado evolutivo
do Espírito que, encarnado
simples e ignorante, apresenta
intrinsecamente todas condições
para se transformar em
Espírito puro, por intermédio
das experiências adquiridas na
fieira das reencarnações e nos
aprendizados desenvolvidos
no Plano Espiritual. O capítulo
apresenta também elucidações
a respeito do bem e do mal,
dos processos evolutivos do
instinto e da inteligência, assim
como dos fenômenos de
destruição, naturais e abusivos,
condições de aprendizagem
que se assemelham a degraus
ascensionais que o Espírito
deve percorrer em sua árdua
jornada a caminho da Luz,
que é Deus. Chegado a esse
patamar evolutivo, o Espírito
imortal, à semelhança de Jesus,
poderá então afirmar convictamente:
“Eu e o Pai somos um”
(João, 10:30) .
Esses três primeiros capítulos devem ser considerados,
portanto, como uma espécie
de base, fundação ou alicerces
do edifício em que a obra está
erigida. Os demais capítulos estão
agrupados em um conjunto
harmonioso, assim expresso:
1. A gênese segundo o
Espiritismo
Sob esta denominação, a
primeira parte do livro expõe
úteis informações sobre: a formação
dos mundos e da Terra;
a pluralidade dos mundos habitados;
a origem, organização e
transformações dos seres vivos
(orgânicos) do planeta tendo
como base as inúmeras aquisições
realizadas pelo princípio
inteligente ou espiritual ao longo
das eras, e nos dois planos
da vida; a criação do Espírito e
da humanidade terrestre.
Enfim, estes e outros temas
similares são apresentados na
forma metodológica da visão
sistêmica – que está mais desenvolvida
nos dias atuais –,
delineando-se, portanto, o
encadeamento de todo o processo
evolutivo, geral e particular
dos astros, mundos e
seres da Criação.
2. Os milagres segundo
o Espiritismo
Assim nomeada, a segunda
parte do livro começa por explicar,
à luz da fé raciocinada
professada pelo Espiritismo,
o que é milagre, inclusive no
sentido teológico; em seguida
há esclarecimentos a respeito
da visão espírita sobre o termo
milagre que, ao se apoiar no
aspecto científico, demonstra
que o comumente denominado
sobrenatural e maravilhoso,
tão a gosto de algumas manifestações
religiosas, confunde
e perturba a ordem natural do
progresso humano.
O capítulo 14 - Os fluidos,
é de fundamental importância
para a prática espírita,
usual nas casas espíritas
do passado e do presente.
Trata da natureza e qualidade
dos fluidos e das energias
radiantes, oriundas do
princípio vital; a formação e
propriedades do perispírito,
subproduto do fluido cósmico
universal,12 estrutura
semimaterial formadora do
corpo físico, altamente plástica,
cuja constituição íntima
é diferente em cada pessoa
e se modifica e se ajusta às
aquisições consequentes do
progresso do Espírito.13
Este
capítulo também informa a
respeito da ação dos Espíritos
e das criações fluídicas, úteis
no entendimento do controle
mental e da emissão e recepção
do pensamento. Os exemplos
que ilustram a ação dos
Espíritos sobre os fluidos são
retirados do Evangelho, em
8 Reformador | Janeiro de 2018
7
que se encontra o relato de diferentes
fenômenos, até então
considerados sobrenaturais,
tais como: visão psíquica (dupla
vista), as curas, aparições,
catalepsias, ressurreição etc.
O capítulo 15 – Os milagres
do Evangelho, último capítulo
da segunda parte, apresenta
beleza e grandeza espirituais
significativas, encantando o
leitor atento que passa a compreender
nitidamente, à luz da
fé raciocinada espírita, os milagres
do Evangelho.
3. As predições segundo
o Espiritismo
A última parte desta admirável
obra da Codificação está
formatada em três capítulos,
a saber: Teoria da presciência
ou o conhecimento do futuro,
faculdade psíquica do ser humano
amplamente manifestada
e conhecida ao longo da história da civilização humana, expressa
nos profetas e médiuns;
Predições do Evangelho, que
analisam as predições de Jesus
para a humanidade terrestre,
especialmente as informações
sobre os sinais precursores da
fase de transição planetária (it.
Sinais precursores) e sobre o
juízo final (it. Juízo final), continuamente
assinaladas por
religiosos ainda prisioneiros
de interpretações literais; e Os
tempos são chegados, último capítulo
do livro, que deveria ser
leitura obrigatória para todos
os espíritas, pois elucida acerca
das mudanças ocorridas na
sociedade, sob o impulso da Lei
do Progresso e da Lei de Causa
e Efeito, as características fisionômicas
e espirituais que se refletem
no homem moralizado,
apto a viver em um mundo melhor,
livre das expiações.
Por último, merece considerar
que A gênese, os milagres e as
predições segundo o espiritismo
foi construída a partir de O livro
dos espíritos, a coluna central do
Espiritismo, no dizer do respeitável
baiano Deolindo Amorim
(1906–1984), jornalista, sociólogo,
publicitário, escritor e
conferencista espírita brasileiro,
tal como aconteceu com as
demais obras da Codificação
Espírita (O livro dos médiuns, O
evangelho segundo o espiritismo
e O céu e o inferno).
Os conteúdos doutrinários
espíritas de A gênese, os milagres
e as predições segundo o espiritismo
foram desenvolvidos
por Allan Kardec sob a segura
orientação da equipe dos Espíritos orientadores, a partir dos
seguintes tópicos de O livro
dos espíritos:
• Livro Primeiro: Causas primeiras,
capítulos 2 – Elementos
gerais do Universo, 3 – Criação e
4 – Princípio vital;
• Livro Segundo: Mundo
Espiritual ou dos Espíritos, capítulos
9 – Intervenção dos Espíritos
no mundo corpóreo, 10
– Ocupações e missões dos Espíritos e 11 – Os três reinos;
• Livro Terceiro: Leis morais,
capítulos 4 – III. Lei de reprodução
e 5 – IV. Lei de conservação.
REFERÊNCIAS:
1
KARDEC, Allan. A gênese. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 2. ed.
1. imp.
Brasília: FEB, 2013.
2
______. ______. Introdução – À primeira
edição publicada em janeiro de
1868, p. 9 e 10.
3
______. ______. cap. 1, it. 13.
4
______. ______. Introdução – À primeira
edição publicada em janeiro de
1868, p. 10.
5
______. ______. cap. 1, it. 13.
6
WANTUIL, Zêus; THIESEN, Francisco.
Allan Kardec: meticulosa pesquisa
biobibliográfica. v. 3. 4. ed. Rio de Janeiro:
FEB, 1998. cap. 1 (As obras espíritas
de Allan Kardec), p. 286 a 289.
7
KARDEC, Allan. Obras póstumas.
Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1.
imp. Brasília: FEB, 2013. Pt. 2, Extratos,
in extenso, do livro Previsões relativas
ao espiritismo, it. Minha nova
obra sobre A gênese.
8
______. ______. it. Meus trabalhos
pessoais. Conselhos diversos.
9
______. ______. A gênese. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. imp.
Brasília: FEB, 2013. cap. 1, it. 16.
10 ______. ______. p. 22.
11 ______. O livro dos espíritos. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 3. imp.
Brasília: FEB, 2016. q. 625.
12 ______. A gênese. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. 2. ed. 1. imp. Brasília:
FEB, 2013. cap. 14, it. 7.
13 ______. ______. it. 10, p. 238.
REFORMADOR- ANO 136 | N° 2.266 | JANEIRO 2018
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