NO GRANDE DIA
Fabiano, no dia em que ele próprio
anunciara, dera seu último suspiro. Desenfaixara-se de seu corpo carnal, com a
serenidade do obreiro que cumprira a derradeira etapa de atividades e que
retornara para o seu lar com a consciência tranquila.
Voltava, assim, à Pátria celestial.
Sente-se leve e transportado às
alturas.
Ao longe, divisa uma multidão que
vem a seu encontro.
São corações que, entoando hinos de
exaltação ao Pai Celestial, vêm recebê-lo na gloriosa estação de chegada,
acenando com palmas e recamando o solo espiritual de rosas.
Olhos marejados, arrasta-se por uma
alameda margeada de criaturas amadas que conhecera na Terra e que reconhece
nesse extraordinário reencontro. Vê fisionomias felizes, de antigos aflitos que
atendera no convento e que lhe enviam beijos pelos ares, entre cânticos e
músicas de saudação.
Alguns irmãos do convento também lá
estão.
Um deles se adianta e retira-lhe o
bordão onde se apoiava.
Fabiano se desembaraça de seu apoio,
sem mais necessitá-lo.
Mais adiante, uma pequena comissão,
igualmente engalanada, de almas eleitas e virtuosas o aguarda. E, dentre elas,
destaca-se Francisco de Assis, o pobre de Deus, que o abraça com intraduzível
amor.
-
De retorno à Casa Paterna – diz-lhe, enquanto Fabiano instintivamente
ensaiava ajoelhar-se. – Levanta-te, que
te levo ao Senhor e somente diante dele te deves render.
Caminham para um horizonte de
estrelas.
Quando param, destaca-se uma
fulgurante Cruz, que se aproxima daquele reduzido grupo de almas.
A comissão afasta-se e fica somente
Fabiano.
-Filho,
- diz a Voz divina, transfigurando-se a Cruz no próprio Mestre – recebe hoje a Coroa da Vida, que meu pai
reserva aos eleitos de seu Reino, por teres perseverado no bem até o fim.
Aí Fabiano não resiste de emoção e cai
de joelhos.
Em pranto convulsivo, sente-se
pequeno demais, apagado demais, para viver aquela visão e aquele momento
extremamente sublime.
Sente a mão divina roçar-lhe o
ombro.
-
És benvindo ao Reino do Pai, Fabiano! – E, de cabeça baixa, ele ouve o
Senhor dizer-lhe: - Podes, agora,
escolher o mundo feliz a que tens direito de ingresso!
No silêncio sideral, há melodias.
A brisa é encantadora.
As flores são gotas coaguladas de
luz.
Pássaros revoam sobre a sua fronte.
-
Diz-me, filho querido, aonde queres estar, a partir deste momento em que te
libertas do jugo compulsório da carne?
Fabiano sente a gravidade daquele
minuto.
Contendo-se na emoção, considera
aquela hora tão decisiva para o seu futuro. Revive os instantes em que, quando
na Terra, aspirava por um Plano Espiritual superior, mais elevado, assim como
um exilado que suspirava por um retorno à terra que lhe falava ao coração
opresso pela saudade.
Lembra-se, porém, de todos os
dementados que conhecera.
Conhece-lhes as angústias.
Ouvia, nas reentrâncias de suas recordações, aquelas
vozes marcadas pelas angústias e pelas revoltas que, no entanto, se rendiam
ante os anúncios das esperanças de caridade vivida.
Quantos deles existiriam ainda?
Ajoelhado como estava diante da luz
que não ousava contemplar, e de onde lhe viera o convite para ingressar num
mundo feliz, entre lágrimas e, humilde, diz:
- Senhor! Recordo-te em teu último
dia de martírio, quando nos trouxeste a Verdade do Pai. Da Cruz, onde estavas
entre a Terra e o Céu, derramaste o teu olhar amoroso sobre os homens que te
flagelavam e que se obstinavam no mal. Rogaste, então, a teu Pai de
Misericórdia, que os perdoasse, porquanto não sabiam o que estavam a fazer.
- Desde então, Senhor, aquelas tuas
palavras me soaram como um convite permanente para a obra de regeneração
daqueles que te perseguiam e te feriam, mas que eram amados de teu coração.
- Queria libertá-los das prisões da
ignorância e das trevas do mal, trazendo-os à luz do Eterno Bem.
Fabiano, mais humilde ainda, completa:
- Por isso, Senhor, se me é dado
escolher entre um mundo feliz e este doloroso vale de lágrimas, permite-me,
Senhor, ficar próximo daqueles que ainda não conhecem as bênçãos das lágrimas e
do arrependimento. São esses os que sofrem, sem o saber e, por isso, concede-me
ajuda-los, para que eles também possam soerguer-se e se confiarem à tua divina
diretriz.
- Deixa-me, Senhor como um porteiro
de tua Mansão!
E, desde então, Fabiano de Cristo
ergue, sob o amparo misericordioso de Jesus, dentro dos campos da
espiritualidade infeliz, casas em que os egressos do mal tenham um pouco para
transitar entre as sombras do passado e as luzes eternas do porvir.
(Trechos do livro
“Fabiano de Cristo, o Peregrino da Caridade”, de Roque Jacintho, transcritos
para a obra “Cenário de Luz” – Fundação do Lar Espírita Assistencial Irmão
Fabiano de Cristo).
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