MOTIVAÇÃO DIFERENTE
Em
reduzido grupo íntimo numa sessão de estudos doutrinários e prática mediúnica,
alguém sugere que se fale do carnaval. Acendem-se os ânimos. Empolgam-se
defensores e críticos, apresentando opiniões contraditórias.
-
É uma festa perniciosa – comenta o senhor Cerqueira, velho estudioso do
Espiritismo. E acentua: - O número de acidentes e de mortos registrado nesses
dias, somado aos dramas passionais, jovens seduzidas, remorsos desajustantes e
as monumentais ressacas que não raro disparam complicadas moléstias, seriam
mais que suficientes para justificar a proibição dessa autêntica loucura
coletiva.
-
Ora, ora, não exageremos – responde um dos companheiros. Afinal, é uma festa do
povo, em que as tensões acumuladas durante o ano se desintegram ante a alegria
contagiante dos corações.
Mas,
Cerqueira emenda rápido:
-
Você diria melhor, alegria artificial das libações alcoólicas, porquanto sem a
anestesia da consciência pela bebida, raros se aventurariam a participar do reinado
de Momo. Quanto ao pretenso “alívio das tensões”, há um preço muito alto que o
folião paga, além do tremendo desgaste físico: é o envolvimento com entidades
das sombras. O ambiente dessas festividades é profundamente desajustado, com a
presença de Espíritos viciados que chegam a promover perigosas obsessões.
Muitos jovens fazem sua iniciação nas lamentáveis aventuras com tóxicos nesses
dias de exaltação dos sentidos, em que são facilmente envolvidos pelas
sugestões das sombras.
-
Se o senhor me permite – interrompe outro defensor do carnaval – não podemos
esquecer a questão da sintonia. Se eu entro num salão momístico apenas para
distração, sem alcoólicos, sem intenções libidinosas, guardando respeito e
compostura, jamais serei envolvido pelo desequilíbrio do ambiente.
-
Sim, rebate Cerqueira – mas, com semelhante comportamento, duvido que se
disponha a participar, já que o carnaval é a consagração da inconsequência,
diante da qual é quase impossível manter o equilíbrio.
Várias
opiniões foram emitidas pelos presentes, dividindo-se as tendências, até que,
terminado o tempo reservado aos estudos, o dirigente da reunião convidou os
companheiros à concentração, ensejando-se a palavra dos amigos espirituais.
Pela psicofonia mediúnica manifesta-se Celino, dedicado orientador do grupo,
que após os cumprimentos habituais, fala:
-
Apreciamos o interesse de todos pelo assunto. Toda troca de ideias efetuada com
respeito pelo interlocutor e espírito de aprendizado é sempre proveitosa.
Devemos considerar, entretanto, que, em base de simples argumentação, sempre
conseguiremos justificar, perante nós mesmos, qualquer comportamento, seja o
adultério, a violência, a injúria, a mentira, a guerra e também o carnaval.
Cada indivíduo permanece em determinado estágio de evolução e tenderá a
racionalizar ou ajustar as circunstâncias e as ideias em torno do que considera
suas necessidades essenciais como ser humano. Por isso, muito mais importante
que as discussões em torno do que deve ou não fazer é o nosso empenho no sentido
de nos ajustarmos aos padrões éticos do Evangelho, que exprimem, em síntese, o
comportamento mais adequado. Na medida em que a Boa Nova comandar nossa vida,
saberemos o que fazer, participando das atividades sociais apenas quando elas
puderem fazer parte do nosso empenho em favor de um mundo melhor. Aquele que
hoje defende a legitimidade de sua participação em festas mundanas é livre para
escolher suas próprias experiências. Mas, na medida em que se integrar na
vivência evangélica e se empolgar por seus ideais, fatalmente terá outras
motivações. Então, seu interesse será o de aproveitar melhor as folgas desses
dias, seja emprestando seu concurso numa entidade socorrista, seja compondo uma
equipe de trabalho que atenda a famílias necessitadas, seja participando de
grupos de estudos em torno de problemas comunitários, sociais ou
doutrinários... Essas iniciativas lhe permitirão, de uma forma muito mais
eficiente, superar tensões, sem os riscos da inconsequência, e desfrutar da
alegria autêntica, sem dramas de consciência e sem ressacas na quarta-feira.
Ante
a pausa mais longa, um dos ouvintes comenta:
-
Suas palavras, irmão Celino, são sempre judiciosas. Vivendo o espírito do
Evangelho, certamente teremos motivações mais nobres. Todavia, como efetuar
essa substituição de valores? De minha parte, confesso que ainda estou muito
preso às festas mundanas, particularmente o carnaval...
-
O problema – explica o orientador – é de seleção e de iniciação. Usando a
inteligência, devemos escolher as experiências que realmente interessam à nossa
economia espiritual, como seres eternos, em aprendizado na Terra. Isto feito, é
partir para a atividade em torno dessas experiências. Dentre elas, o Evangelho
é a mais nova e proveitosa, porquanto temos em suas lições o caminho de nossa
integração na Vida. É a chave de nossa comunhão com Deus. Mas, antes que o
Evangelho se torne a coisa mais importante de nossas vidas, é preciso que nos
importemos um pouco mais com ele. Antes que o Evangelho nos inspire atividades
mais proveitosas que o carnaval, é preciso que nos disponhamos à iniciação em
torno delas. Por isso, não basta trocar ideias. Toda discussão envolvendo
problemas de comportamento não modificará de um centímetro nossas tendências,
enquanto não partirmos para o campo decidido da ação. Se o Evangelho é o guia
de nossas vidas, não percamos tempo discutindo se devemos ou não participar dos
festejos de Momo. Quem desejar, que o faça, considerando o clima de liberdade
que a Doutrina Espírita oferece aos seus adeptos, mas busquemos o Cristo hoje,
praticando o bem que ele recomendou, para compreendermos depois, que nenhuma
festa da Terra tem condições de oferecer as flores de alegria que colhemos, as
bênçãos de conforto, paz e esperança que felicitam nosso coração, quando
estendemos as mãos aos nossos irmãos, servindo sempre, em plenitude de vivência
evangélica.
Despede-se
Celino, deixando aos amigos da Terra um novo estímulo para que selecionem suas
experiências e façam sua iniciação em busca do melhor.
Do livro: Temas de Hoje, Problemas
de Sempre
Autor: Richard Simonetti