sábado, 13 de agosto de 2016

Conhecendo Fabiano de Cristo - Profecias


PROFECIAS DE FABIANO DE CRISTO

            Fabiano bate à porta do superior do convento.
            Diante dele, tranquilamente diz:
            - Senhor, partirei dentro de três dias! Antes, porém, quero que me dês licença para despedir-me dos amigos que mais sofrem.
            - Partirás?! – balbucia o superior, ante o inesperado anúncio, pressentindo que Fabiano falava de sua própria morte. – Estarás sempre conosco, Fabiano.
            - Guarda-me em teu coração e ora por mim!
            O superior, profundamente entristecido, nem sequer ousou querer desfazer o doloroso clima que imediatamente se estabeleceu.
            Acompanhou aquele velhinho, já com mais de setenta anos, que se lhe fizera irmão e amigo. Da porta do convento, vê-o afastar-se, arrastando-se dolorosamente, apoiado no bordão.
            - Que tens, senhor? – pergunta-lhe um dos irmãos da ordem vendo-lhe os olhos lacrimejando.
            Contemplando Fabiano, que se distanciava, respondeu:
            - Deus... chama... as suas aves para os céus!
            Não demorou muito, todo o convento estava em alvoroço, ferido e alarmado pela notícia de que o venerável velhinho, que a todos acalentava com a sua ternura, anunciara o seu regresso à casa de Deus dali a três dias.
            Ninguém pôs dúvida sobre o que ele anunciara.
            Muitos já choravam a sua ausência, discretamente, orando ao Pai para que não o retirasse tão já daquela comunidade cristã.
            Fabiano, na cidade, abraça-se a corações amados, em despedida. Demorava-se, porém, muito mais junto de todos os aflitos, levando-lhes palavras de conforto, de esperança e de fé.
            Acreditavam que ele iria viajar.
            - Que faremos nós – clama uma velha lavadeira – enquanto estiveres ausente, meu pai?
            - Estarei contigo, se orares por mim! No mundo de Deus, só o ódio abre distância entre as criaturas. Os que se amam, porém, por mais longe que estejam, estarão sempre próximos de Jesus.
(14 de outubro de 1747)

            Fabiano, na enfermaria, alenta ânimos desfalecidos.
            Pensa chagas abertas e sorri, em doce e terna alegria, na despedida aos doentes, que sabia próxima.
            Beija crianças.
            Afaga velhos abatidos pela dor.
            Encoraja os que choram.
            Ampara os desesperançados.
(15 de outubro de 1747)

            Não há uma só cela ocupada, no convento.
            Todos, sem exceção, entram de dois a dois, na cela em que Fabiano se recolhera, balbuciando, entre lágrimas, confissões de eterno amor fraternal.
            Já quase de madrugada, o superior se inclina no ombro amigo de Fabiano e, qual se fosse um filho diante de um pai extremamente amado, chora soluçante.
            Fabiano afaga-lhe os cabelos e o tranquiliza.
            A pedido, deixam-no só.
            O convento se torna um amplo oratório. Onde há uma pessoa, há uma prece ardente. Onde havia um coração que antes rogava por si mesmo, agora há uma alma rogando por Fabiano de Cristo.
(16 de outubro de 1747)

            Fabiano de Cristo desencarna!
            A notícia se espalha pela cidade e todos se comovem.
            Imensa romaria se toma a direção do Convento de Santo Antônio.
            O Governador Gomes Freire de Andrade, assim que informado do acontecimento, abandona todos os seus afazeres e dirige-se, de imediato, ao convento. É quase o primeiro a entrar na câmara mortuária. Aproximando-se do corpo de seu admirável benfeitor, vê aqueles pés descalços pela humildade e que palmilharam pela cidade levando ânimo a tantos desfalecidos e infelizes.
            Ele se curva e beija-lhe os pés, lavando-os com suas lágrimas.
            No ar, abre-se um inebriante perfume de rosas, como que envolvendo a cada alma em infinito amor.
            O pai dos pobres despedia-se!

(17 de outubro de 1747)


(Trechos do livro “Fabiano de Cristo, o Peregrino da Caridade”, de Roque Jacintho, transcritos para a obra “Cenário de Luz” – Fundação do Lar Espírita Assistencial Irmão Fabiano de Cristo).

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Conhecendo Fabiano de Cristo - VII



O SEGREDO DAS CURAS

            O doutor Fortes era médico generoso.
            Interessava-se pelos doentes, fosse qual fosse a sua condição social. Amparava do senhor ao último dos escravos, sem nenhuma distinção.
            A técnica precária da medicina, na época, porém, quase sempre o colocava em desvantagem diante das enfermidades rebeldes.
            Clinicando também na enfermaria do Convento de Santo Antônio, desde há muito passara a observar aquele enfermeiro Fabiano de Cristo, que vencia onde ele se sentia derrotado.
            Daquelas mãos delicadas, vira doentes sem esperança saírem recuperados e retornarem à vida comum, sem sinais das doenças que deveriam tê-los vitimados.
            Deveria haver, ali, algum segredo – conjeturava muitas vezes. E certo de que esse segredo existia, disfarçadamente inspecionava a cada um dos atos de Fabiano.
            Talvez tudo estivesse na água!
            Sim! É que a cada doente em estado grave Fabiano ministrava  uma porção de água. E até para aqueles portadores de feridas graves, ele aplicava gotas d’água na região enferma, provocando miraculosamente a reversão do quadro e obtendo cicatrizações espantosas.
            Fortes queria dominar aquele conhecimento.
            - Há dias te observo trabalhando na enfermaria, irmão Fabiano! – irrompe o médico, após Fabiano de Cristo haver distribuído porções d’água a diversos internados.
            - Por mais que queiras negar, colocas nessa água algum recurso medicamentoso que desconheço.
            O interpelado sorriu candidamente.
            - Nada faço que qualquer um outro não possa fazer, doutor!
            - Desculpe-me, porém não creio! Afinal, eu te trouxe dois doentes irrecuperáveis, segundo os meus recursos médicos e, três dias após, ei-los refeitos a te ajudar! E vi que nada lhes deste além da água.
            O médico insistia:
            - Se guardas avaramente teu segredo, lembra-te de teu dever de humanidade! Muitas outras pessoas poderiam retornar à normalidade da saúde, se me revelasses o teu conhecimento misterioso.
            Fabiano, visivelmente constrangido diante do doutor Fortes, foi direto e incisivo:
            - Doutor, apiedo-me, e muito, diante de cada um que sofre. Eles chegam aqui e nada sei de enfermagem! Como socorrê-los? E, querendo minorar as suas dores, apanho as canecas com água e faço as minhas orações, para cada doente em particular.
            E, diante do médico admirado, complementou:
            - Sabendo que a vida vem de Deus, rogo ao Pai de misericórdia que abençoe a água que Ele próprio criou e que nela dê o seu sopro de vida, como dá à vida inicial ao homem.
            Houve uma pausa longa, quebrada pelo eficiente médico:
            - E...?
            - E sabendo que o Pai atende a todas as súplicas desinteressadas, sei que a água se transforma num santo remédio. O que Deus coloca nela, nunca perguntei! Só sei que, com muito amor e muita fé, vou ministrá-la aos doentes, em nome de Jesus Cristo!
            O doutor Fortes estava sem fala!
            - Se o senhor fizer isso, doutor – complementou Fabiano – Deus por certo atenderá, pois Ele me ouve a mim, que sou ignorante e pecador, e mais o ouvirá pelas suas virtudes.
            Sabe-se que, algumas vezes, o doutor Fortes foi visto dando pequenas porções d’água a escravos enfermos!

            (Trechos do livro “Fabiano de Cristo, o Peregrino da Caridade”, de Roque Jacintho, transcritos para a obra “Cenário de Luz” – Fundação do Lar Espírita Assistencial Irmão Fabiano de Cristo).




quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Conhecendo Fabiano de Cristo - VI


A PERNA DOENTE

            Fabiano estava com erisipela nas duas pernas. A sua perna esquerda, mais do que a outra, além de extremamente inflamada, era aberta em dolorosa chaga. Vertia muito pus e desprendia um forte mau cheiro.
            Ele a trazia envolta em panos.
            Nas crises fortes, ele próprio fazia curativos dolorosos e trocava os panos com que enfaixava as pernas, várias vezes por dia, para não incomodar os outros com o forte cheiro que exalava.
            O seu superior, conhecendo seu silencioso martírio, após solicitar o auxílio de um dos médicos, dirigiu-se a Fabiano.
            - Amanhã serás medicado.
            - Tenho muitos doentes graves! – contrapôs Fabiano docemente – E não posso deixá-los sem cuidados!
            - E eu tenho um doente muito grave e rebelde, que és tu, e não te deixarei sem cuidados, irmão Fabiano.
            - Mas...
            - É uma ordem que te dou! Não te rebeles contra a minha autoridade. Cumpro, afinal, um dever que já me fizeste protelar muitas vezes.
            Fabiano baixou a cabeça, obediente.
            - Amanhã serás medicado, meu filho! Também és filho de Deus!
            Aquela noite foi um desassossego para Fabiano.
            Após todas as atenções dispensadas aos doentes internados na enfermaria, viu-se Fabiano retirar-se, já madrugada, para a sua cela no convento.
            Ouviram-se os sons abafados de uma ardente súplica.
            Quando o sol já estava claro, o médico convocado para fazer curativos nas pernas de Fabiano estava junto ao leito que lhe fora destinado na própria enfermaria.
            Pela cor do pus, que se impregnara nos panos velhos que envolviam a perna esquerda, o médico deduziu sobre o estágio avançado e precário e do odor nauseante que dali adviria.
            Com cautela, e alguma repugnância, removia os panos. À medida, porém, que desenfaixava a perna, surpreendia-se com o perfume de rosas que lhe chegava às narinas.
            Fez curativos dolorosos!
            Após terminado o trabalho, retirou-se para prestar informações sobre o estado da perna de Fabiano. E, por consequência, o superior do convento se aproximou apreensivo do leito em que Fabiano ainda repousava.
            O superior certificava-se do aroma de rosas.
            - Que fizeste, Fabiano? O médico crê que encharcaste as feridas com alguma coisa estranha!
            - Eu...
            - Não negues, que sinto o perfume por toda a enfermaria!
            Contristado, Fabiano silenciou.
            - Valha-me Deus! Teria o céu te perfumado?!
            Envergonhado, Fabiano balbuciou:
            - Não desejando que o mau cheiro de minhas pernas infestasse a mão do médico que me prestaria socorro, esta madrugada roguei a Jesus que poupasse o médico da podridão do meu pobre corpo. Que Deus me perdoe pela minha vaidade!
            E as lágrimas desciam de seus olhos, em meio ao perfume de rosas que perduraria por todo o dia, envolvendo a enfermaria e todo o convento.


(Trechos do livro “Fabiano de Cristo, o Peregrino da Caridade”, de Roque Jacintho, transcritos para a obra “Cenário de Luz” – Fundação do Lar Espírita Assistencial Irmão Fabiano de Cristo).

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Conhecendo Fabiano de Cristo - V


EM SONHO

            Fabiano ardia em febre.
            Na cela onde se recolhera, a madrugada já lhe chegava. Surpreendia-o, contudo, a remoer pensamentos de desalento, o que era um fato raro.
            - Por que, Senhor, estas minhas pernas enfermas? Dispusesse eu do dom de mais saúde, mais te serviria.
            E quase numa oração dizia:
            - Assim como estou, não posso ir aos sofredores. Sou obrigado a vê-los virem até mim! Será justo obrigá-los a tais sacrifícios?
            E um sono, invencível, abate-lhe as reflexões.
            Surpreende-se Fabiano em paisagem espiritual. E, de longe, vindo ao seu encontro, uma Cruz de azulínea luminosidade.
            Instintivamente, ele se rende de joelhos.
            E a Voz lhe indaga:
            - Por que clamas contra mim, Fabiano?
            - Senhor! Não clamo contra vós! Rogo tão somente me dês condições físicas de vos servir melhor!
            - Não levantei queixas contra teus serviços! Segue, pois, amando a teu próximo. Todo aquele que vive a caridade é o que mais serve, com a força do coração.
            - É que pensei ir aos aflitos...
            - Todos os aflitos te trago, cada novo dia, à porta de teu coração. Mantém-te aberto para recebê-los e ampará-los em meu nome.
            - Lembra-te de que o céu pertence a todos, por herança do Pai celestial. Cabe aos herdeiros, pois, buscar o reino para vivê-lo onde e como estiver.
            - O Pai jamais se ausentou dos filhos. Os filhos é que o abandonaram. Por que, portanto, quereres dispensá-lo do esforço da procura?
            - E, para servir, como estás já basta.
            - Se servi ao Pai na cruz, de mãos e pés atados por cravos, como não servires a Deus, com pernas e braços livres?
            - Nem todos os sãos do corpo encontram-se a caminho do meu Reino. Mas recebo, todos os dias, coxos e cegos, surdos e estropiados do corpo, que alcançaram a saúde da alma.
            - Queres saúde para desertar do bem?
            Fabiano estremeceu, despertando no duro chão da cela. Sentiu as pernas e o corpo febris.
            Em sua alma, contudo, sentia a primavera da vida eterna.
            - Senhor! – murmurou, baixinho e tímido, - Faça-se, neste teu servo, a tua vontade.
            A dor e a dificuldade lhe davam ânimo novo.

(Trechos do livro “Fabiano de Cristo, o Peregrino da Caridade”, de Roque Jacintho, transcritos para a obra “Cenário de Luz” – Fundação do Lar Espírita Assistencial Irmão Fabiano de Cristo).



terça-feira, 9 de agosto de 2016

Conhecendo Fabiano de Cristo - IV


EM BUSCA DE DOAÇÕES

            O superior chamara Fabiano com urgência:
            - Sabes – diz-lhe, assim que entra – que a nossa despensa dos pobres está quase vazia. Já chega mais um dia de distribuição de alimentos e quase nada temos para dar-lhes.
            Fabiano ouvia atento.
            - Como tens um vasto círculo de admiradores, beneficiados pelas tuas intercessões junto aos Céus, creio ser oportuno que a eles recorras, pedindo-lhes contribuições.
            - Não posso incomodá-los, senhor! Eu, de mim, não prestei benefícios a ninguém. Se houver alguém com o direito de rogar por retribuição, em troca dos benefícios distribuídos, esse único alguém é Jesus.
            - Ora... não digo cobrar favores, Fabiano! É que, em verdade, dói-me que alguém nos venha estender as mãos e as recolha vazias.
            - Sinto também o mesmo.
            - Que tal, então, pedires a qualquer desconhecido?
            Fabiano tomou para si aquele encargo.
            Era de vê-lo, por muitos dias inteiros, sob o sol inclemente ou debaixo de chuva persistente, a arrastar-se pelas ruas, apoiado em seu bordão, batendo de porta em porta, a pedir esmolas pelos pobres.
            Transformou-se num “procurador dos pobres”.
            Benquisto por todos, era recebido sempre numa festa de corações, por tanta gente que jamais vira antes, mas que o conheciam como o “pai dos pobres”.
            Ricos e pobres o acudiam.
            Comovia-se, e muito, quando alguém lhe destinava um pequeno valor, que sabia ser migalha repartida da migalha e que ele guardava em separado, dizendo serem aqueles os “óbolos das viúvas”.
            Era já um quase fim de tarde.
            Bate à porta de uma casa fidalga. Ela se abre, revelando um rosto endurecido e conturbado, que lhe lança um olhar , um olhar cansado.
            - Que queres?
            - Sou do convento e venho estender-te a mão...
            O homem estava a fechar a porta, contrariado, quando a reabre e solicita com um ar estranho:
            - De onde és?
            - Do convento!
            - Essa voz... – resmunga e depois explode: - És o Barbosa?!
            Fabiano sorri e responde:
            - O ex-Barbosa!
            - Não lembras de mim? Sou o Ricardo! Barbosa, eu sou o Ricardo! Não te lembras? Já lá se vão mais de vinte anos! E quase não te reconheço nesses trajes!
            Os dois se abraçam.
            Na sala da casa, Ricardo volta a tomar ares sérios e deposita, na frente de Fabiano, uma grande soma de dinheiro.
            - Para os teus pobres.
            - Não são os meus pobres, mas os pobres de Jesus! – diz Fabiano.
            - Que seja! Isto me alivia a consciência – e, em tom de confidência, completa: - Metade do que tens aí recolhi numa trapaça, infelicitando um amigo meu! E quero, hoje, finalmente, aliviar a minha consciência...
            - Não posso aceitá-lo, Ricardo.
            - Mas... eu quero dar...
            - Não dás o que é teu! Quem sabe se aquele de quem tomaste o dinheiro traz o coração amargurado pelo que lhe fizeste.
            Ricardo ouvia admirado.
            - Neste caso, -  prossegue Fabiano – não sou o caminho certo para a reparação do erro praticado. Não é aos pobres de Deus que deves esse dinheiro. Toma-o, volta para junto daquele a quem prejudicaste e devolve-lhe o que é dele! Somente assim repararás a tua falta e reconquistarás um coração que te quer mal.
            Fabiano despede-se com um abraço carinhoso.
            Deixa Ricardo imerso em reflexões.
            Semanas mais tarde, Fabiano recebe no convento pequeno embrulho e, ao abri-lo, vê-se diante de grande soma de dinheiro acompanhada de um bilhete onde lê:
            “Reconquistei o Amigo que havia perdido. Agora tenho paz. Hoje, envio-te parte do que é legitimamente meu e rogo dá-lo aos pobres de Deus. Tenho orado muito, agradecendo o nosso feliz reencontro, que isso me libertou da tortura mental.”
            Fabiano beijou comovidamente o bilhete, assim como quem beija o coração de um amigo que estava perdido e que se reencontrou com a Vida.


(Trechos do livro “Fabiano de Cristo, o Peregrino da Caridade”, de Roque Jacintho, transcritos para a obra “Cenário de Luz” – Fundação do Lar Espírita Assistencial Irmão Fabiano de Cristo).


segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Conhecendo Fabiano de Cristo - III


A CONFISSÃO DE UM CRIME

            Fisionomia transtornada, ele sussurrou:
            - Eu... matei um homem!
            Qual se aquela afirmação reprimida, agora confessada, lhe franqueasse as portas da angústia longamente represada, o infeliz verteu lágrimas de remorso e desabafo.
            Cabeça baixa, prosseguiu a custo:
            - Meu crime foi acidental! Uma briga, por razão fútil e sem testemunhas e ele caiu sobre o meu punhal! A toda hora estou a vê-lo diante de meus olhos, a tremer na curta angústia e me destilando ódio pelo seu olhar.
            Fabiano ouvia com delicadeza.
            - Não bastasse essa desgraça, outra pessoa está sendo acusada pelo crime que cometi. Isso me leva até a loucura, por não saber o que fazer!
            E soluçou baixinho.
            - Fugi da justiça humana, temendo ser incompreendido. Dói-me, porém, a consciência, qual se outra Justiça, de que não posso fugir, estivesse a pedir-me a reparação do ato!
            Nova pausa.
            - Quanto mais penso, mais sofro! O infeliz que tomaram em meu lugar é um pai de família, sobrecarregado de obrigações. Sempre foi muito infeliz, pelo que soube! Obrigado a tomar empréstimos, era devedor daquele a quem matei. Por essa dolorosa coincidência é que o tomam por autor do homicídio, nada valendo os seus protestos de inocência.
            Respirando fundo, amargurado, segue:
            - Hoje silenciar seria responder, perante Deus, por dois crimes: o da morte acidental, de que me recrimino, e o do destino de um inocente e das desgraças que já desabam sobre seus familiares.
            Nervosamente, estalando os dedos, prossegue:
            - Como me sentirei depois? Como suportar uma dupla culpa? Já tenho entrevisto, em minhas noites de insônia, os olhos tristes daquelas criancinhas, a suplicarem-me por amparo e a me acusarem do silêncio igualmente covarde e criminoso.
            Levantando-se:
            - Não suporto! Não me suporto!
            Seguiu-se uma pausa longa e indeterminada, com Fabiano envolvendo a atormentada criatura em orações silenciosas.
            - Sinto-me aliviado, por ter desabafado, Fabiano. E que me tenhas ouvido, embora em silêncio. Assim escutei, também, a voz da minha própria consciência.
            Levantou-se para sair.
            - Vou confessar meu crime! É que, não dizendo nada, dizes-me tudo, fazendo-me assumir as consequências de meu desatino.
            Ele beija as mãos de Fabiano:
            - Bendito sejas, pela tua sabedoria!

(Trechos do livro “Fabiano de Cristo, o Peregrino da Caridade”, de Roque Jacintho, transcritos para a obra “Cenário de Luz” – Fundação do Lar Espírita Assistencial Irmão Fabiano de Cristo).




domingo, 7 de agosto de 2016

Conhecendo Fabiano de Cristo - II


Transcreveremos alguns momentos da vida de Frei Fabiano de Cristo no Convento de Santo Antônio


O JOVEM POSSESSO

            Fabiano de Cristo interrompeu a limpeza do chão, ao ouvir altas vozes em discussão, na entrada do convento.
            Alcançou a porta e a abriu.
            Um frei altercava com um homem idoso.
            - Fora os dois! Fora daqui com esse endemoniado!
            - Pai Fabiano, ajude-me – pediu o velho, assim que viu Fabiano de Cristo surgir à porta. – Ajude-me, pelo amor de Deus!
            - Fora daqui – insistia o outro frei irredutível.
            - Nesta casa de Deus, não entra o demônio no corpo de um menino!
            - Irmão – diz Fabiano dirigindo-se ao outro frei, num tom conciliador – Deus não teme demônios! Lembremo-nos, por outro lado, que Jesus disse: “Deixai vir a mim as criancinhas.”
            - Não criancinhas com o demônio no corpo!
            - Jesus, quando assim falou, não disse se elas viriam em sorrisos ou em dores!
            Houve um momento de admiração.
            - Entra, meu amigo, e traz teu filho em paz! – complementou Fabiano, antes que o outro frei voltasse do espanto que o tomara.
            Todos entraram.
            O pai arrastava o menino, seu jovem filho, amarrado por fortes cordas para contê-lo. E o jovem estertorava, gritava, agitava-se medonhamente.
            Cai o pai de joelhos, ao pé de Fabiano.
            - Livra meu filho do demônio!
            O olhar de Fabiano se derramava, pleno de compaixão, sobre o jovem lunático e, além de fita-lo, num clima de piedade infinita, vai a seu encontro, calmo e seguro.
            O jovem, em convulsão, afasta-se, grita, trazendo um mundo de curiosos para observá-lo, entre céticos e amedrontados pelas consequências do fato incomum naquela comunidade.
            - Desata teu filho! – ordena Fabiano.
            - Não! Ele é perigoso... Pode ferir-te! Abençoa antes! – roga o pai aflito e temeroso.
            - Desata-o, eu te ordeno!
            Receoso, mas obediente, o pai liberta o jovem das cordas.
            Num salto violento, o possesso atira-se ao lado de Fabiano, com espuma na boca e fogo nos olhos:
            - Maldito! – brada em alta voz, avançando contra Fabiano, com punhos cerrados e ameaçadores.
            - Criatura de Deus, sê bendita! Estamos na casa de nosso Pai, onde nascem todas as esperanças de amor e redenção! – diz-lhe Fabiano, recolhendo-se em serena oração. – Ora comigo!
            Fabiano está todo voltado para o Mais Alto.
            Enquanto o jovem reluta, treme, geme, brada ameaças contra todos – espalhando o medo nos circunstantes que tomam distância – Fabiano revive, na tela de sua imaginação, o Mestre Jesus, junto ao lago de Genesaré, a dialogar com uma legião de espíritos dementados pelo mal.
            Dos olhos de Fabiano vertem lágrimas de piedade.
            O possesso, pouco a pouco se aquieta. Encolhe-se junto Fabiano de Cristo, recolhendo o calor de suas preces. Sacode a cabeça, como quem desperta de um longo pesadelo.
            O jovem, espantado, olha à sua volta.
            - Meu pai – diz o jovem – onde estamos?
            O velho pai, banhado em lágrimas, diz-lhe apenas:
            - Aos pés de um santo de Deus!

(Trechos do livro “Fabiano de Cristo, o Peregrino da Caridade”, de Roque Jacintho, transcritos para a obra “Cenário de Luz” – Fundação do Lar Espírita Assistencial Irmão Fabiano de Cristo).