Transcreveremos alguns momentos da vida de Frei Fabiano de Cristo no Convento de Santo Antônio
O ESCRAVO FORAGIDO
Noite alta.
Batidas nervosas estremecem a porta
do convento, levando Fabiano de Cristo a apressar o passo para abri-la.
-
Sinhô, me salve!
Cai no chão um escravo negro.
Fabiano abaixa-se e o recolhe nos
braços.
Sente-lhe a febre, no primeiro
toque. O negro, porejando e ardendo em febre, mal consegue falar.
Adivinha-se um foragido de uma
senzala próxima.
-
Tenha dó de mim... – suplica exausto.
Nas mãos de Fabiano, que o
sustentavam naquela hora, a marca do sangue que vertia das costas lanhadas por
alguma chibata impiedosa.
- Acalma-te, filho!
- Tô fugindo! Não aguento mais...
- Estás numa casa de Deus!
Nos olhos do escravo rebrilhavam a
humilhação e a súplica. Ali não existia o mal, porém somente os traços do
sofrimento e da dor profunda.
- Aonde queres ir? – indaga Fabiano.
- Quero... voltar pra minha gente! –
ele
roga entre lágrimas.
Fabiano, em tom ponderado,
considera:
-
Todos viemos do Pai Celestial e, onde estivermos, estaremos entre irmãos,
filhos do mesmo Criador Divino. Quem sabe, filho, Deus não te destinou para
ajudares a construir um mundo novo, onde se instalará o reino da esperança e do
amor?
O escravo o olhou feito de espanto.
Não te esqueças – prosseguiu
amavelmente Fabiano – de que Jesus, para trazer-nos a doutrina da redenção,
também se fez escravo dos homens cruéis e escolheu a Cruz do sofrimento para,
com seu próprio sangue, libertar-nos dos nossos pecados.
O escravo arfava já com serenidade.
-
Confia no Senhor! Não fujas de teus encargos, porque o Senhor confia em ti e te
ampara. Sofres, por certo, mas para ti o Senhor abre os braços, dizendo-te:
“Bem-aventurados és, tu que choras, porque serás consolado.”
- Volto... à senzala?
- E onde podereis ser mais livre?
Não fujas das obrigações árduas que a vida te oferece a teu próprio benefício.
Nela terás as tuas realizações espirituais, mesmo que debaixo de uma chuva de
lágrimas e humilhações. Não tens um reino na Terra, mas o terás no céu.
- Mas... e a minha fuga?
- Intercederei por ti, junto de teu
amo. Direi que te recolhi em febre e quase loucura e te devolvo em boa e nova
saúde.
E, quando Fabiano o ergueu do duro
chão, já não havia febre nem revolta... e o lanhado das costas já não vertia
sangue, porque já eram cicatrizes de um calvário glorioso.